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05/12/2018

Marcelo Alves

 Aproximações e diferenças (I)



No artigo da semana passada, eu afirmei que, embora a literatura e o direito trabalhem em universos ou condições distintas, eles têm alguns – quiçá muitos – pontos de convergência. Hoje vou desenvolver um pouco mais a temática, tratando, sucessivamente, dessas aproximações e diferenças. 
Antes de mais nada, um elemento fundamental une a literatura e o direito: a onipresença da linguagem, como principal instrumento para que elas atinjam os seus fins. Se como bem notado por André Karam Trindade e Roberta Magalhães Gubert (no texto “Direito e literatura: aproximações e perspectivas para se repensar o direito”, que faz parte do livro “Direito & literatura: reflexões teóricas”, publicado pela Livraria do Advogado Editora em 2008), citando Francois Ost (1952-), a ninguém é dado ignorar a lei (embora alguns espertinhos tentem fazer isso constantemente), também a ninguém é dado, no direito, ignorar a linguagem. Ela é a instância que funda, através da palavra e do texto, todo e qualquer discurso, incluindo o jurídico e o literário.
E se tanto o direito como a literatura estão intimamente relacionados à linguagem – já que trabalham fundamentalmente com a palavra, o texto, o discurso e a narração –, é importante também que se diga que essa linguagem, no direito, assim como se dá na literatura ficcional, até preexiste à realidade (a realidade jurídica, seja ela qual for), uma vez que, sobretudo na elaboração da norma abstrata, mas também na narração de um fato jurídico, a palavra ou texto imaginado antecede as suas consequências jurídicas em si.
Ademais, como mais um ponto de intersecção, esse papel central atribuído à linguagem e à palavra vincula inexoravelmente o direito e a literatura (e seus juristas e literatos, respectivamente) à atividade/arte da interpretação, que sempre será necessária para se descobrir o alcance e o sentido daquilo que foi posto no texto, seja literário ou jurídico. Com base nos princípios da hermenêutica (a teoria ou ciência da interpretação), juristas e literatos fazem uso dessa arte, dotada de uma técnica e de métodos, voltada para um fim, que é, no caso dos juristas, determinar o significado da linguagem utilizada pelo direito.
Em terceiro lugar, tanto a literatura como o direito, embora de formas e com finalidades diversas, lidam com relações entre os seres humanos, assim como entre estes e os demais animais e coisas, pressupondo um aprimorado conhecimento da condição humana, da natureza e da vida. Conforme lembrado por André Karam Trindade e Roberta Magalhães Gubert, desta vez citando Arthur Kaufmann (1872-1938), “o direito não é um objeto como as árvores e as casas. O direito é, pelo contrário, a estrutura das relações nas quais os homens estão uns perante os outros e perante as coisas”. E prosseguem os referidos autores, agora com as suas próprias palavras: “a literatura igualmente se encontra ligada a esta mesma ontologia das relações de que fala Kaufmann, visto que as relações humanas também constituem seu objeto central, embora privilegiando sua natureza estética. Como toda e qualquer expressão artística, a literatura é uma transfiguração do real, isto é, a realidade recriada e retransmitida pela narrativa, através de metáforas e metonímias. Assim, do mesmo modo como ocorre com o discurso jurídico – que pretende dar conta da realidade –, a narrativa, por mais ficcional que seja, é produzida inevitavelmente a partir daquilo que lhe é fornecido pelo mundo da vida”. 
Isso tudo não significa, entretanto, que inexistam diferenças importantes entre as disciplinas jurídica e literária. Elas existem – e mais uma vez eu as reconheço –, embora tais diferenças não tenham o condão de colocar em xeque a utilidade do que fazemos aqui e agora, estudando, tudo junto e (quase) misturado, o direito e a literatura. E sobre algumas dessas diferenças, nós conversaremos na semana que vem. Eu prometo.


Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
ue pretende dar conta da realidade –, a narrativa, por mais ficcional que seja, é produzida inevitavelmente a partir daquilo que lhe é fornecido pelo mundo da vida”. 
Isso tudo não significa, entretanto, que inexistam diferenças importantes entre as disciplinas jurídica e literária. Elas existem – e mais uma vez eu as reconheço –, embora tais diferenças não tenham o condão de colocar em xeque a utilidade do que fazemos aqui e agora, estudando, tudo junto e (quase) misturado, o direito e a literatura. E sobre algumas dessas diferenças, nós conversaremos na semana que vem. Eu prometo.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SPMarcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
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