Por um novo direito de águas (II)
Francisco de Sales Matos
Prof da UFRN e Procurador do Estado
Volto
 a este espaço para revisitar o tema “por um novo direito de águas”, 
trazido aos leitores deste conceituado Jornal no penúltimo domingo. 
Naquela oportunidade, alertei que passamos a viver perigosamente no que 
concerne a questão da água. E mais: o que era outrora apenas um drama 
nordestino, passou a ser um drama nacional. Apontamos que o manejo 
inconsequente dos recursos naturais, renováveis e não renováveis, 
determina o desastre de hoje. Mas, o que preocupa mesmo (ou não) é que 
esse desastre não deita raízes nos milhares de anos de nossa existência,
 senão nos últimos cinqüenta anos de nossa história. Realçamos, então, 
nossa argumentação atribuindo ao fenômeno da escassez hídrica à morte 
dos rios, das florestas e dos nossos mananciais em geral, reservando, 
porém, como motivação principal para a seca que assola o Sudeste e o 
Centro Sul do País, a destruição desvairada e impiedosa da floresta 
amazônica.
Pois bem, nessa perspectiva me foi oportunizado 
entender cientificamente, como sempre sói acontecer lá no Clube do 
Guaraná, desta feita mediante as lições do professor Marcelo Amorim, um 
admirador nato das coisas belas da natureza, como se opera o fenômeno. 
Então, pude constatar o que tem a ver a destruição da floresta amazônica
 com a seca que assola o Sudeste e o Centro Oeste do País. Apontou-me 
ele (prof. Marcelo) o relatório intitulado “O Futuro Climático da 
Amazônia”, registrando que um total de 762.979 quilômetros quadrados de 
desmatamento foram acumulados na Amazônia (até 2014). Isto representa 
uma área correspondente a pelo menos quinze Rio Grande do Norte ou a 
três São Paulo. Ainda, que segundo o biogeoquímico Antônio Nobre “já 
foram destruídas pelo menos 42 bilhões de árvores na Amazônia. Em 40 
anos, foram cerca de 2 mil árvores por minuto. Os danos dessa devastação
 já são sentidos, tanto no clima da Amazônia – que tem sua estação seca 
aumentando a cada ano – quanto a milhares de quilômetros dali”. 
São
 esses os dados que levaram o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais 
(Inpe) a relacionar a seca que atinge o Sudeste, especialmente São 
Paulo, com o desmatamento da Amazônia. A revisão de literatura sobre o 
assunto levada a efeito pelo Prof. Antonio Nobre mostra que a redução da
 quantidade de árvores no local afeta os “rios aéreos” de vapor, 
responsáveis pelo transporte da água que cai com as chuvas nas regiões 
brasileiras mais distantes. Eis, portanto, “a razão de a porção 
meridional da América do Sul, a leste dos Andes, não ser desértica, como
 nas áreas de mesma latitude a oeste e em outros continentes”. Segundo 
ele (Nobre) a floresta mantém úmido o ar em movimento, levando chuvas 
para regiões internas do continente. “O ar úmido é exportado para o 
Sudeste, o Centro-Oeste e o Sul do Brasil, por rios aéreos de vapor, 
mais caudalosos do que o Rio Amazonas. Sem isso, o clima nessas regiões 
se tornará quase desértico. Atividades humanas como a agricultura 
entrarão em colapso”, declarou. 
A Amazônia, continua o 
cientista, regula o clima do continente graças à capacidade da floresta 
de transferir 20 trilhões de litros d’água por dia para a atmosfera. 
Segundo ele, a transpiração das árvores, combinada à condensação 
vigorosa na formação de nuvens de chuva, rebaixa a pressão atmosférica 
sobre a floresta. Com isso, ela “suga” o ar úmido do oceano para o 
continente, mantendo as chuvas em qualquer circunstância. “Isso explica 
por que não temos desertos nem furacões a leste dos Andes. Pelo menos 
até agora, porque se continuarmos derrubando a floresta, o fluxo se 
inverterá: o oceano é que sugará a umidade da Amazônia. Assim, poderemos
 ter no continente um cenário semelhante ao da Austrália, com grandes 
desertos e uma franja úmida próxima do mar”, afirma o pesquisador.
Por
 fim, considerando que a acumulação desenfreada e irresponsável não 
permite à sociedade brasileira (e do Continente) enxergar que corre 
sério perigo em sua própria existência e que mais de 60% da devastação 
da Amazônia decorre de gestão criminosa ou no mínimo não sustentável, é 
que cada vez mais afirmo a convicção de que o atual estágio do direito 
vive com um pé no passado e se não se apresente compatível para reger o 
fenômeno social do presente, como o regerá no futuro? Então, não há como
 enfrentarmos um desastre dessa dimensão sem nos pautarmos por uma nova 
ordem jurídica, sobretudo para gestão das águas, se quisermos legar 
algum espectro de natureza para as futuras gerações.
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