IHGRN

Páginas

  • INÍCIO
  • ESTATUTO DO IHGRN
  • IMAGENS
  • HISTÓRIA

08/01/2019

Marcelo Alves
:
Ferri e os criminosos na literatura

Enrico Ferri (1856-1929), o famoso jurisconsulto e político italiano, nasceu na pequenina San Benedetto Po, nas cercanias de Mântua. Estudou direito em Bolonha, colando grau, pupilo de Pietro Ellero (1833-1933), em 1877. Especializou-se em Pisa, onde foi aluno de Francesco Carrara (1805-1888), talvez o principal expoente da Escola Clássica do Direito Penal. Estudou também na França, na Universidade Paris-Sorbonne. Foi ainda aluno de medicina legal do criminologista Cesare Lombroso (1835-1909), considerado o fundador da Escola Positiva do Direito Penal, a quem restou ligado por boa parte da vida.
Ferri foi professor de muitíssimo sucesso, desde pelo menos 1884 e até o fim da sua vida, tendo ensinado direito penal nas universidades de Bolonha, Siena, Pisa e Roma “La Sapienza”, entre outras. Ministrou conferências Europa afora e chegou a fazer o mesmo, no primeiro decênio do século passado, na nossa América Latina. Foi advogado criminalista de enorme prestígio. Daí entrou na política, foi deputado por vários mandatos, militando à esquerda e no Partido Socialista italiano. Escreveu copiosamente no jornal “Avanti!”, órgão oficial do Partido. Por essa época, foi encarregado de reformar, como presidente de comissão criada para tanto, as leis penais italianas. No fim da sua vida, curiosamente, mesmo sem se filiar ao Partido Nacional Fascista, deu apoio a Benito Mussolini (1883-1945).
A principal obra (essencialmente) jurídica de Ferri foi, sem dúvida, “Sociologia Criminale”, publicada com esse nome em 1892, mas que, em sua primeira edição, de 1881, tinha o longuíssimo título “I Nouvi Orizzonti del Diritto e della Procedura Penale”. E, entre seus textos, deve também ser destacado “Principi di Diritto Criminale”, de 1928. Juntamente com o já citado Cesare Lombroso e com Raffaele Garofalo (1851-1934), Ferri formou a grande tríade da chamada Escola Positiva do Direito Penal. E, como anota Paulo Jorge de Lima em “Dicionário de filosofia do direito” (Sugestões Literárias S.A., 1968), ele foi o representante máximo dessa escola, “sistematizando-a e transformando-a em um campo de vastos estudos sobre a pessoa e os caracteres do delinquente, as causas biológicas, sociais e psicológicas da prática de crimes e dos métodos de prevenção e repressão da criminalidade”.
Mas não é bem sobre isso – a rica trajetória política ou as cientificidades da obra criminológica de Enrico Ferri – que eu quero falar hoje. Quero apenas destacar e sugerir a leitura de um livro de Ferri que caiu em minhas mãos inusitadamente: “Os criminosos na arte e na literatura”, publicado entre nós por Ricardo Lenz Editor (de Porto Alegre/RS), em 2001. Por mais estranho que pareça, embora seja um livro em português, traduzido e editado no Brasil, adquiri o dito cujo em uma livraria jurídica de Buenos Aires, uma daquelas que ficam perto da região de “Tribunales”. O porquê de estar ali à venda, eu não sei. Apenas peguei e paguei. E me encantei.
Em “Os criminosos na arte e na literatura”, Enrico Ferri trata, além do que ele chamou de “os criminosos nas artes decorativas”, de várias peças e romances de gente como William Shakespeare (1564-1616), Friedrich Schiller (1759-1805), Émile Gaboriau (1832-1873), Victor Hugo (1802-1885), Émile Zola (1840-1902), Fiódor Dostoiévski (1821-1881), Leon Tolstói (1828-1910), Henrik Ibsen (1828-1906) e Gabrielle D’Annuzio (1863-1938), entre outros, escritores que, pelo menos alguns deles, já foram objeto do nosso interesse por aqui.
Na verdade, os crimes e os criminosos – e, por íntima relação, o direito – têm fornecido um vasto e rico material à arte e, em especial, à literatura. Como afirma o próprio Ferri, a “arte, esse reflexo irisado da vida, não poderia, mesmo desde as suas primeiras e mais instintivas manifestações, negligenciar o estudo das inumeráveis metamorfoses do crime e da alma criminal na sociedade; não poderia ignorar o frisson passional que, em presença do delito, subleva, na multidão, uma emoção vaga, incessantemente ampliada e atenuada na medida de sua amplitude – ou que provoca, na consciência do artista, a representação subjetiva de personagens misturados aos dramas da fraude artificiosa ou da violência sanguinária”.
De minha parte, neste momento, estou saboreando o capítulo dedicado ao francês Émile Gaboriau, apontado por Ferri como “o inventor de um certo gênero de romances judiciários, muito imitados depois, e muito em moda há alguns anos”, nos quais a figura do criminoso é muitas vezes eclipsada, dando-se protagonismo ao policial arguto e genial ou mesmo a uma complicada instrução judiciária na qual, em meio a uma equivocada acusação a um inocente, se procura descobrir o verdadeiro culpado. Era prato cheio para os folhetins da época. E, mesmo hoje, eu adoro esse tipo de estória. Acho-as intrigantes e viciantes.
Bom, eu estou realmente adorando “Os criminosos na arte e na literatura”. E acredito que, em pleno verão, quando as coisas de trabalho param um pouco, você também iria gostar. Afinal, como dito no prefácio à sua edição brasileira, ele é um livro que “transcende ao [monótono] universo dos especialistas em matéria penal, interessando, sem dúvidas, aos cultores das artes e da literatura”.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
Posted by IHGRN at 11:47 Nenhum comentário:
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest

07/01/2019

HOMENAGEM AO JORNALISTA EVERALDO LOPES


APITO FINAL – Berilo de Castro





APITO  FINAL –
No apagar das luzes do ano de 2018, perdemos o nosso divulgador maior, a fonte, o arquivo imensurável e inesgotável do esporte potiguar —, Everaldo Lopes (1930- 2018) —, o “Professor”, como era tratado carinhosamente pelos seus colegas jornalistas.
Pernambucano de nascimento, natalense por adoção. Formado em Administração pela UFRN, jornalista, escritor e pesquisador.
Iniciou sua vida profissional na crônica esportiva no final da década de 1950, como repórter de campo pela Rádio Poti, no Estádio Juvenal Lamartine (JL), em sua época de ouro.
Logo, logo passou para a imprensa, registrando com propriedade e muito conhecimento tudo o que acontecia no esporte potiguar.
Escreveu, inicialmente, suas colunas no Diário de Natal. A primeira nominada de  “Sal…Picos”, depois passou a se chamar de “Galho de Urtiga” e finalmente, “Cartão Amarelo”, aí já com charges  de Edmar Viana. Em 1988, atuando na Tribuna do Norte, surgiu a coluna  “Numeradas”, que anos depois ganhou um novo formado e novo nome — “Apito Final”, que permaneceu até o ano de 2015, quando Everaldo afastou-se definitivamente do jornalismo esportivo.
Paralelo ao jornalismo, e com uma visão de grande futurista do futebol, criou e organizou o Torneio Matutão, a maior competição futebolística do Estado; a vitrine maior de futuros craques, chegando a revelar alguns que foram exportados para os grandes times do Sudeste, inclusive, chegando à Seleção Brasileira.
Foi também inspiração sua, a ideia da criação e formação da Seleção de Futebol do Século XX, escolhendo  as três maiores equipes  de futebol da cidade: ABC, América e Alecrim Futebol Clube, feito inusitado em toda história do futebol potiguar.
Eu o conheci no início da década de 1960, quando estava iniciando a minha carreira como atleta profissional de futebol, em competições oficiais da Cidade. Construímos uma grande e sólida amizade dentro e fora do futebol.
Quando escrevi o meu primeiro livro — “Do futebol à medicina”, em 2012 —, o convidei para que desse o seu  testemunho da convivência que tivemos juntos no período que atuei no futebol. Assim escreveu ele: “Meu começo  foi no rádio — na Poti, era um afoito repórter de campo, usando aqueles microfones horríveis, pesadões, com um linguajar bem diferente do utilizado pela turma de hoje. Momento que entrevistei o jovem “cabeça de área”, que logo cedo mostrou a que veio”.
Estive sempre presente em todos os seus lançamentos de livros: “Cartão Amarelo 30 Anos” em 2003, “Da Bola de Pito ao Apito Final” em 2006 e “100 Anos de Bola Rolando” em 2017, que se tornaram minhas fontes perenes de consultas sobre o esporte potiguar.
Seguirá caminho por uma estrada infinita, quem sabe, aportará um velho campo de futebol, com rudes arquibancadas de madeira, diante de uma peleja acirrada, e com aquele pesado e horrível microfone à beira do gramado, aguardará o APITO FINAL para tudo começar de novo.

Berilo de Castro – Médico e Escritor –  berilodecastro@hotmail.com.br
As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
Posted by IHGRN at 08:19 Um comentário:
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest

06/01/2019


HOJE É O DIA DOS SANTOS REIS

O “Dia de Reis”, ou “Dia dos Santos Reis”, comemorado em 6 de janeiro, tem origem na tradição católica que lembra o dia que Jesus Cristo, recém-nascido, recebeu a visita de três Reis Magos: Belchior, Gaspar e Baltazar, que vieram do oriente, guiados por uma estrela.

O evangelista Mateus narrou o acontecimento: Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra. (Mt, 2,11).

A “Folia de Reis”, grupo que reúne cantadores e instrumentistas para celebrar a data, tem origem portuguesa e chegou ao Brasil no século XVIII. Em Portugal, a manifestação cultural tinha a principal finalidade de divertir o povo. Aqui no Brasil, passou a ter um caráter mais religioso.

Nas localidades que ainda preservam a tradição da “Folia de Reis”, no período de 24 de dezembro a 6 de janeiro, o grupo percorre a cidade entoando versos alusivos à visita dos Reis, passando de porta em porta em busca de oferendas, que podem variar de um prato de comida a uma simples xícara de café. Em cada casa que é acolhida, a Folia apresenta-se cantando e tocando músicas de louvor a Jesus e aos Santos Reis, em volta do presépio, com muita alegria.

O grupo é liderado pelo Capitão e carrega a Bandeira com o símbolo da Folia. Geralmente feita com tecido e decorada com figuras que representam o menino Jesus, a Bandeira é enfeitada com fitas e flores de plástico, tecido ou papel, sempre costuradas ou presas com alfinetes, nunca amarradas com “nós cegos”. Segundo a crença, é para não “amarrar” os foliões ou atrapalhar a caminhada.

Outra figura muito representativa é o palhaço, que usa roupas coloridas, máscara e carrega uma espada ou varinha de madeira. É ele o responsável por abrir passagem para a Folia. Os demais participantes tocam os instrumentos e fazem parte do coro de vozes, com tons diferentes, o que torna o momento muito agradável e singular.

Com versos improvisados de agradecimento pela acolhida, os demais, cada qual na sua voz e vez, repetem os versos cantados pelo Capitão, acompanhados pelos seus instrumentos. Esses instrumentos são enfeitados com fitas e tecidos coloridos. Cada cor possui o seu próprio simbolismo. Rosa, amarelo e azul, podem representar a Virgem Maria; branco e vermelho, o Espírito Santo.

A tradição originada na religiosidade popular, traço marcante de todo continente latino-americano, nos ensina que em 6 de janeiro termina para os católicos os festejos natalinos e, nesse, dia devemos desmontar os presépios e as árvores de Natal.


Por João Rangel. É graduado em Jornalismo, pós-graduado em Comunicação Social, Mestre e doutorando em Ciências pela PROLAM/USP. Professor e coordenador do Curso de Jornalismo na Faculdade Canção Nova. Professor da Universidade de Taubaté. Membro da Academia Marial do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida. E autor, juntamente com José Cordeiro, do livro ‘Aparecida – Devoção Mariana e a Imagem Padroeira do Brasil’.
Posted by IHGRN at 05:48 Nenhum comentário:
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest

02/01/2019


Marcelo Alves
O direito contado (III)

Como eu disse no artigo da semana passada, a literatura contribui para a construção da consciência jurídica do cidadão comum. Mas ela estrutura uma “realidade” jurídica, a partir do universo das possibilidades, que nem sempre coincide com o que realmente existe ou existiu. Até porque estamos falando, essencialmente, de obras de ficção, marcadas, em pequena ou grande medida, pela ótica particular, ideologicamente prejudicada ou mesmo preconceituosa, do seu autor.
De toda sorte, quero deixar claro que o autor de “ficção jurídica”, se minimamente honesto intelectualmente, está no seu direito de construir um “direito” ao seu modo. Afinal, se fôssemos exigir diferente, nem ficção teríamos. Cabe a nós termos o bom senso de identificarmos, com um certo grau de razoabilidade, o que é fato e o que é mito.
Sinceramente, hoje, na transdisciplinaridade entre direito e literatura, minha preocupação recai muito mais em duas derivações dessa mistura tão comum entre fato e ficção.
A minha primeira preocupação diz respeito à enxurrada de “fake news” e de outras narrativas bizarras, que hoje diariamente presenciamos, tanto na grande imprensa como (e sobretudo) nas redes sociais. Temos de ficar muito atentos a isso, para a construção de um direito ou de uma consciência jurídica minimamente conectada com a realidade. Afinal, se outrora aprendemos que “o direito se origina no fato” (“ex facto ius oritur”), hoje parece cada vez mais certa a afirmação de François Ost (1957-), no sentido de que “do relato é que advém o direito” (“ex fabula ius oritur”).
A “culpa” aqui, aliás, não é só do narrador “infiel” aos fatos ou ao direito. O leitor também contribui para essa descoincidência. Até porque, como já nos ensinou Paul Ricoeur (1913-2005), com a sua teoria da tríplice mimese, “o dado prefigura, o artista configura e o intérprete refigura”. E o leitor de ontem, com as redes sociais de hoje – que “deram voz ao idiota da aldeia”, como asseverou Umberto Eco (1932-2016) –, torna-se o narrador duplamente infiel (e quadruplamente medíocre) de amanhã.
E um segundo problema – a meu ver, ainda mais grave – é que se vê uma estranha e inconveniente contaminação do discurso jurídico propriamente dito por um tipo disfarçado de ficção. Falo aqui dos discursos produzidos especificamente pelos profissionais do direito em seus “métiers”. Parece que eles finalmente descobriram a citada assertiva de François Ost – e fazem um uso muito errado dela –, de que “do relato é que advém o direito” (“ex fabula ius oritur”). Se isso era até certo ponto admissível em relação aos advogados (afinal, eles representam, privadamente, as partes), acho abominável que membros do Ministério Público e juízes, representantes do Estado, façam uso desse expediente, criando essencialmente uma narrativa, descompromissada com os fatos e as provas realmente constantes dos autos, para obter uma determinada solução nos casos em que atuam.
Entretanto, admito contrariadamente, que isso se tornou uma coisa comum hoje em dia. O que se vê muito, em peças forenses, que deveriam ser técnicas, atendo-se aos fatos e às provas dos autos, são ilações, visivelmente costurando, como disse certa vez um conhecido advogado, a narrativa contada. As suposições abundam. Expressões como “acredita-se que”, “pode ser”, “está-se convicto de que”, “atribui-se a” e por aí vai, são recursos que deveriam ser usados modicamente. Mas hoje é o que mais se vê, por exemplo, na interpretação de conversas telefônicas monitoradas, prova hoje tão importante no processo penal, frequentemente a única em determinados casos, muitas vezes postas fora do seu real contexto. Começa já com a interpretação dada pela autoridade policial, que é encampada pelo Ministério Público e acaba, desavisadamente ou não, sendo engolida pelo juiz do feito. E o que se tem, ao final, juntando outras peças, é uma historinha, uma narrativa, bem ao gosto popular, que ganha, invariavelmente, repercussão na imprensa e nas redes sociais.
São terríveis as consequências desse tipo de “direito contado”. Nesse ponto, acho que nós, profissionais do direito, deveríamos consertar o prumo. Trabalhar com os fatos, as provas e até mesmo com os tais indícios (já que legalmente autorizados a tanto). Sem criar narrativas, linguisticamente falando. Sem cair ou mesmo resvalar na “ficção jurídica”. Devemos fazer tudo tecnicamente, usando os termos jurídicos convencionados, focando aquilo que está nos autos, dentro dos ditames constitucionais e legais, respeitando os princípios da ampla defesa e do contraditório e os demais direitos individuais. Isso é civilizatório. Isso é científico. Isso é o direito.
A não ser que você, meu caro bacharel, prefira ser um “contador de histórias”, um “tusitala”, como os samoanos chamavam o grande Robert Louis Stevenson (1850-1894). Mas, nesse caso, faça como o autor de “O médico e Monstro” (“The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde”, 1886): abandone o direito e vá fazer literatura.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
Posted by IHGRN at 15:05 Nenhum comentário:
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest



2 0 1 9
TRABALHO
P A Z
U N I Ã O
Posted by IHGRN at 15:02 Nenhum comentário:
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest

26/12/2018




Marcelo Alves

O direito contado (II)

No artigo da semana passada, eu defendi aqui, basicamente, que a consciência jurídica do cidadão médio não é formada através de tratados ou de manuais de direito, mas, sim, por intermédio de outras fontes, entre elas a ficção jurídica.
De modo bastante prosaico até, parece-me certo que o cidadão médio tem muito mais contato com o direito e os operadores jurídicos ficcionais (incluindo-se aqui os personagens literários, de filmes e, no Brasil, sobretudo, os de telenovelas) do que com a vida forense de fato e com os seus profissionais reais. Consequentemente, a imagem que esse cidadão faz do direito, da lei, do valor “Justiça”, do aparelho judicial, do Ministério Público, dos juízes, dos promotores, dos advogados etc. é formada muito mais através da ficção e de outras formas de narrativas (em suas diversas formas, incluindo o cinema, a televisão e as redes sociais) do que a partir de experiências diretas pessoais com o mundo jurídico como, de fato, ele é.
E para além disso, como lembram André Karam Trindade e Roberta Magalhães Gubert (no texto “Direito e literatura: aproximações e perspectivas para se repensar o direito”, que faz parte do livro “Direito & literatura: reflexões teóricas”, publicado pela Livraria do Advogado Editora em 2008), a literatura faz com que o leitor seja conduzido, frequentemente sem se dar conta disso, “da narração à norma, isto é, de uma história à reflexão sobre um determinado preceito do mundo da vida – aqui entendido como verdadeiro leitmotiv do direito”. E, assim, o direito-norma, para o leitor e homem médio, é aquele que decorre, a partir da ótica do autor e da sua própria interpretação, dos casos a ele narrados.
Foi a partir de tudo isso, lembram ainda os autores acima referidos, que François Ost propôs a sua teoria do “direito contado”, “na qual os casos exsurgem na sua singularidade, ao invés de uma teoria do direito analisado – originado a partir de fundamentos hipotéticos, articulado em torno de pirâmides de normas, marcado pela atemporalidade metafísica, e, paradoxalmente, cúmplice de discricionariedades –, ainda predominante no ensino jurídico, cujo caráter analítico, de inspiração legalista e positivista, mantém o jurista refém do sentido (demasiadamente) comum teórico, sem que ele consiga dar-se conta da crise de dupla face – paradigma liberal e paradigma da filosofia da consciência – na qual o direito se encontra mergulhado”.
A apreensão e construção do direito através da literatura tem seu lado bom. Muito bom, aliás. Exigir do cidadão médio o conhecimento de códigos, de leis intrincadas e de manuais de direito seria absurdo. Portanto, a ficção jurídica é uma forma, bastante lúdica e agradável por sinal, de ter o homem comum (ou mesmo aquele com formação jurídica) acesso ao mundo do direito. Ademais, há mesmo quem diga que alguns temas do direito acham-se melhor formulados, aclarados e, sobretudo, ilustrados em obras-primas da ficção do que em tratados, manuais ou monografias especializadas da ciência jurídica. Pode até ser. De toda sorte, uma coisa é certa: a literatura ficcional geralmente apresenta uma visão crítica do direito, desprovida ou para além das amarras de um legalismo que, muitas vezes, embaça a visão e tolhe a iniciativa do jurista. A análise do direito por intermédio da ficção nos permite o descobrimento de outros dos seus sentidos, em regra bem mais próximos de um ideal de Justiça. E não nos causa assim espanto que essa ficção jurídica (vide o caso das telenovelas no Brasil) tenha antecipado, como eu até já mencionei aqui, muito das modernas teorias e tendências do direito, tais como a ética jurídica, o ambientalismo, o biodireito, o feminismo, a transexualidade etc, num ataque justificado à mentalidade jurídica consolidada.
Mas há, também, o lado ruim da coisa (ou da “força”, como diriam os fãs de “Guerra na Estrelas”). Antes de mais nada, há o sério problema da não correspondência entre o conteúdo da obra literária e a realidade do mundo jurídico, o que corriqueiramente se dá, uma vez que estamos falando, essencialmente, de obras de ficção. Nesse sentido, posso de logo assegurar que a ficção jurídica testemunha a visão sobre o mundo do direito existente em determinada sociedade em certa época, mas essa visão é marcada, em pequena ou grande medida, pela ótica particular do seu autor. E esse testemunho, humano, é muitas vezes impreciso ou preconceituoso.
Nesse ponto, sem dúvida, a literatura – as narrativas, como um todo, para abranger o que vemos hoje na grande imprensa e nas redes sociais – contribui para a construção cultural da psicologia popular. Ela estrutura uma realidade jurídica, a partir do universo das possibilidades, que nem sempre coincide – os mais pessimistas diriam, nestes tempos de “fake news”, que “raramente” – com o que realmente existe ou existiu. E se outrora aprendemos que “o direito se origina no fato” (“ex facto ius oritur”), hoje ganha cada vez mais valia a assertiva de François Ost no sentido de que “do relato é que advém o direito” (“ex fabula ius oritur”).
E será essencialmente sobre esse problema – da hoje quase completa prevalência do direito narrado sobre um direito analisado – que conversaremos no artigo da semana que vem.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
Posted by IHGRN at 16:04 Nenhum comentário:
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest

GUSTAVO SOBRAL veio para ficar



As Memórias Alheias
Por Iaperi Araujo, da Academia Norte-riograndense de Letras


Li de uma vez só, encantado tanto com as estórias da vida quanto a linguagem absolutamente fiel às narrativas mas, principalmente, pelo valor que suas estórias concedem ao cotidiano comum das pessoas.

A arte do conto é muitas vezes confundida com narrativas com começo, meio e fim. Dalton Trevisan, o "Vampiro de Curitiba", superou-se com seus fragmentos da vida curitibana e, por isso, é um notável contista brasileiro.

A concisão, o fragmento isolado do contexto, foi de encontro a outros contistas que sempre procuravam criar estórias com começo, meio e fim, dando nome e sobrenome às pessoas e com um motivo principal.  Conto é mais que isso. Da forma como você escreve, o leitor participa pois é lhe dado um fragmento de uma estória comum, dessas que a gente convive no dia a dia.

Da mesma forma, o texto que você domina, concede não somente um roteiro narrativo, mas permite ao leitor interagir com o ambiente e os personagens. Fico feliz com isso.

Você é um sopro novo na nossa literatura. Sempre admirei sua constância e sua luta pela cultura e fiquei vivamente impressionado pelas suas "Memórias alheias", tanto que me inspirou a dar continuidade ao meu "Velhos testamentos" que havia começado, mas deixei de lado. Parabéns e obrigado pela sua tão nobre e valorosa cultura.

Para acessar o livro no formato digital basta clicar aqui, sobre o título: As memórias alheias.

Para ler esse e outros escritos acesse www.gustavosobral.com.br

_________________
OUTROS COMENTÁRIOS:

Já antecipo - reescrevendo a blague oswaldiana - não li ainda e já gostei.
Tarciso Gurgel, autor de Informação da Literatura Potiguar


“Cesário colecionava de tudo no mundo, até jornais velhos, vencidos, lidos, tinha para dar, vender e emprestar”.  – Coisas de homem!
 Larissa Matos, advogada


Do título à capa, achei genial!. Reencontrei-me com expressões e práticas de minha infância. Obrigadíssima pelo valioso presente. Mas o que é mesmo caixa dos Ponhos?
Celina Bezerra, pedagoga


Corbiniana e seus transtornos psicológicos obsessivos-compulsivos!
 Kivia Curry, psicóloga, mora no Rio


Você é um sopro novo na nossa literatura. Sempre admirei sua constância e sua luta pela cultura e fiquei vivamente impressionado pelas suas "Memórias alheias".
Iaperi Araújo, da Academia Norte-rio-grandense de Letras


Adorei a foto do Papa, mas começar por Cesário foi bom. Já garante boas gargalhadas.
Eliza Bezerra, doutoranda, vive em Portugal


É uma forma de revisitação do passado de forma fragmentada, na qual o leitor acaba tendo um papel importante. Estou achando sedutor.
Conceição Flores, portuguesa, professora de literatura

Uma leitura muito agradável, leve e com as manias e cavilações familiares.
Um livro bonito e muito delicado.

Selma Bezerra, artista plástica


Para acessar o livro no formato digital basta clicar aqui, sobre o título: As memórias alheias.
Para ler esse e outros escritos acesse www.gustavosobral.com.br


Romeu Pessoa - 11/12/2018
Aguardo ansioso o segundo volume!


Múcio Medeiros - 10/12/2018
Excelente leitura. Para boas risadas.


Antonio - 10/12/2018
Uma leitura rápida e divertida!


Ricardo - 10/12/2018
É um livro inovador. Cada história é uma surpresa.


Fernanda Sobral - 10/12/2018
Li num sopro e fiquei querendo saber mais. Do retrato do Papa à mordida da raposa... histórias incriveis.


Selma sobral - 09/12/2018
Genial 👏👏👏 amei!!!!

Carlos de Miranda Gomes - dez.2018
Por duas vezes comentei o livro, mas não foi gravado. Agora o faço: Sem dúvida, Gustavo foi para mim uma grata surpresa. Fui analisando todos os seus trabalhos e, agora, com este delicioso "As Memórias Alheias", ele chegou a melhor momento do seu estilo, mantendo íntegros alguns predicados de um bom escritor: originalidade, pureza e simplicidade, que garantem a sua consolidação no cenário literário potiguar.



Posted by IHGRN at 07:12 Nenhum comentário:
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Postagens mais recentes Postagens mais antigas Página inicial
Assinar: Postagens (Atom)

Total de visualizações de página

Arquivo do blog

  • ▼  2025 (2)
    • ▼  junho (1)
      • POR DENTRO DA BAM: O dia a dia e os bastidores dos...
    • ►  abril (1)
  • ►  2022 (21)
    • ►  março (5)
    • ►  fevereiro (8)
    • ►  janeiro (8)
  • ►  2021 (104)
    • ►  dezembro (4)
    • ►  novembro (2)
    • ►  outubro (16)
    • ►  setembro (18)
    • ►  agosto (8)
    • ►  julho (18)
    • ►  junho (5)
    • ►  maio (4)
    • ►  abril (1)
    • ►  março (14)
    • ►  fevereiro (4)
    • ►  janeiro (10)
  • ►  2020 (118)
    • ►  dezembro (7)
    • ►  novembro (9)
    • ►  outubro (13)
    • ►  setembro (12)
    • ►  agosto (12)
    • ►  julho (11)
    • ►  junho (9)
    • ►  maio (7)
    • ►  abril (11)
    • ►  março (9)
    • ►  fevereiro (6)
    • ►  janeiro (12)
  • ►  2019 (188)
    • ►  dezembro (18)
    • ►  novembro (13)
    • ►  outubro (18)
    • ►  setembro (12)
    • ►  agosto (19)
    • ►  julho (22)
    • ►  junho (15)
    • ►  maio (19)
    • ►  abril (11)
    • ►  março (16)
    • ►  fevereiro (11)
    • ►  janeiro (14)
  • ►  2018 (269)
    • ►  dezembro (19)
    • ►  novembro (21)
    • ►  outubro (21)
    • ►  setembro (32)
    • ►  agosto (32)
    • ►  julho (21)
    • ►  junho (19)
    • ►  maio (17)
    • ►  abril (29)
    • ►  março (27)
    • ►  fevereiro (21)
    • ►  janeiro (10)
  • ►  2017 (307)
    • ►  dezembro (34)
    • ►  novembro (30)
    • ►  outubro (41)
    • ►  setembro (30)
    • ►  agosto (27)
    • ►  julho (11)
    • ►  junho (25)
    • ►  maio (25)
    • ►  abril (22)
    • ►  março (24)
    • ►  fevereiro (18)
    • ►  janeiro (20)
  • ►  2016 (361)
    • ►  dezembro (34)
    • ►  novembro (46)
    • ►  outubro (18)
    • ►  setembro (19)
    • ►  agosto (34)
    • ►  julho (39)
    • ►  junho (22)
    • ►  maio (28)
    • ►  abril (32)
    • ►  março (32)
    • ►  fevereiro (27)
    • ►  janeiro (30)
  • ►  2015 (415)
    • ►  dezembro (30)
    • ►  novembro (35)
    • ►  outubro (39)
    • ►  setembro (31)
    • ►  agosto (41)
    • ►  julho (39)
    • ►  junho (34)
    • ►  maio (35)
    • ►  abril (30)
    • ►  março (41)
    • ►  fevereiro (29)
    • ►  janeiro (31)
  • ►  2014 (421)
    • ►  dezembro (35)
    • ►  novembro (41)
    • ►  outubro (39)
    • ►  setembro (41)
    • ►  agosto (47)
    • ►  julho (41)
    • ►  junho (27)
    • ►  maio (39)
    • ►  abril (40)
    • ►  março (29)
    • ►  fevereiro (17)
    • ►  janeiro (25)
  • ►  2013 (245)
    • ►  dezembro (32)
    • ►  novembro (42)
    • ►  outubro (21)
    • ►  setembro (30)
    • ►  agosto (37)
    • ►  julho (32)
    • ►  junho (11)
    • ►  maio (21)
    • ►  abril (19)
  • ►  2012 (15)
    • ►  novembro (2)
    • ►  outubro (3)
    • ►  agosto (1)
    • ►  abril (2)
    • ►  março (4)
    • ►  fevereiro (1)
    • ►  janeiro (2)
  • ►  2011 (7)
    • ►  dezembro (7)
Tema Marca d'água. Tecnologia do Blogger.